GABRIEL NUNES, O COMANDANTE DO ITABUNA DE 1970
Por Walmir Rosário*
Em 1970, tudo indicava que o Itabuna Esporte Clube pretendia se tornar tema de peça teatral do jornalista e dramaturgo Nélson Rodrigues, com direito ao personagem Sobrenatural de Almeida mandando na trama. Pois é, disso não duvidem, jamais. Neste ano, o Azulão, o Meu Time de Fé, esteve no inferno, passou pelo purgatório, aterrissou no céu e novamente desceu ao fogo do inferno.
E não era pra menos, no início do ano era um time insolvente, falido, sem diretoria, largado ao Deus Dará, quando em fevereiro de 1970 o advogado Gabriel Nunes reúne uma diretoria para assumir o clube. Mesmo sem experiência alguma na administração de clubes de futebol, a diretoria arregaça as mangas e inicia um trabalho para tirar o Itabuna do enorme atoleiro que se encontrava.
O único saldo positivo eram 22 jogadores, na grande maioria amadores, e alguns profissionais remanescentes do time de craques que contratara. E assim começaram a disputar o Campeonato Baiano de 1970. O que a diretoria não contava era a concorrência da Copa do Mundo, na qual o Brasil se sagrou tricampeão no México, e o inverno rigoroso que afastavam a torcida dos estádios.
Neste ano, o certame baiano era visto pela Federação Bahiana de Futebol, além de Bahia e Vitória, apenas um compromisso de segundo plano, pois esses dois times pretendiam mesmo era jogar o Campeonato Brasileiro. Em Itabuna, os planos de Gabriel Nunes eram bem mais modestos, como recolocar o Itabuna no cenário futebolístico que pertencia. O grande entrave era a falta de dinheiro para honrar as dívidas e formar um bom time.
Grande parte dos atletas do Itabuna exercia outra profissão, como Carlão, taxista em Ilhéus; os goleiros Luiz Carlos, bancário; Galalau, segurança bancário; e por aí afora. Diante do caos reinante, o presidente Gabriel Nunes encontrava dificuldades em contratar ônibus para o transporte dos atletas e da torcida, além de honrar com o pagamento de salários e bichos nas vitórias.
A cada jogo era um sufoco e era preciso fazer campanhas para arrecadar dinheiro, junto à torcida. Como não haviam recursos para pagar os jogadores, a diretoria recorre à parceria. Os atletas abririam mão dos salários e bichos e receberiam 70% da renda que o Itabuna faria jus e os outros 30% ficariam para as despesas. Àquela época, o vencedor ficava com 60% e o perdedor com 40%, tiradas as outras despesas.
Imediatamente todos toparam. E o presidente Gabriel Nunes fez um alerta: Temos que ganhar os jogos para levarmos 60%, o que mexeu com o brio dos atletas. Logo no segundo jogo o Itabuna perde para o Galícia, no campo da Graça, por 1X0, gol de Élcio, ex-Itabuna. No próximo jogo, contra o Vitória, os guerreiros de Itabuna conseguiram virar o jogo e aplicar 2X1 no rubro-negro baiano, ganhando a confiança da fanática torcida.
Outra prova importante foi contra o timaço do Feira Tênis Clube. O jogo foi realizado em Itabuna debaixo de uma forte chuva. O zagueiro Americano, ao atrasar uma bola para o goleiro Betinho, ela para numa poça d’água e o Feira marca 1X0. No intervalo, Gabriel vai ao vestiário, conversa com os jogadores e Americano responde para que a diretoria ficasse tranquila pois ganhariam o jogo. Ao final 2X1, conforme prometido.
Outra partida hercúlea foi contra o Jequié, outra sensação do interior. Só que o Itabuna não tinha dinheiro para contratar os ônibus e tampouco se hospedar num hotel. A proposta era viajarem no dia do jogo, em carros dos diretores, fazerem uma parada para o lanche na estrada, jogar a partida e fazer nova parada para outro lanche reforçado na volta, o que foi prontamente aceito por todos.
Só que a imprensa divulgou essa notícia, mexendo com os brios dos torcedores, que de logo se movimentaram com as famosas vaquinhas. Um torcedor itabunense que morava em Jequié reuniu outros conterrâneos e pagaram o hotel; os de Itabuna pagaram as despesas com as refeições e Frederico Midlej conseguiu os ônibus para o transporte. E o resultado do jogo foi 1X1.
Mais pra frente o Itabuna empata com o Bahia no campo da Graça. E esta viagem foi mais uma epopeia, com a entrada de Gabriel em “campo”, para fazer uma campanha na Rádio Difusora e conseguir as 28 passagens de avião, junto a José Laurindo, representante da Aviação Sadia. O sucesso foi tão grande que foram doadas 30 passagens. E, novamente Frederico Midlej consegue mais dois ônibus para a torcida e a charanga.
Das 16 partidas do segundo turno o Itabuna vence 13 e se torna o time a ser batido pelo Bahia e Vitória. Faltava apenas um jogo para o Itabuna Esporte Clube ganhar o segundo turno e se tornar um dos finalistas para disputar o título com o Bahia. Em 13 de setembro de 1970, o Itabuna enfrenta o Ideal de Santo Amaro, bastando um empate para se tornar campeão do segundo turno. E assim foi feito.
No dia seguinte, o presidente Gabriel Nunes liga para o interventor da Federação Bahiana, Cícero Bahia Dantas (do departamento jurídico do Bahia) para marcar a data dos jogos, que seriam disputados numa melhor de três (um jogo em cada sede e outro em campo neutro). Sem mais delongas, o interventor pede que Gabriel ligue na próxima semana, pois existia um recurso impetrado pelo Bahia.
Sentindo o “cheiro” de maracutaia, Gabriel Nunes se dirige a Salvador com Gérson Souza e descobre o plano de colocar o Itabuna na “geladeira” por vários meses, enquanto o Bahia disputaria o Brasileirão. E assim foi feito, jogaram no lixo o regulamento do campeonato e o Itabuna amargou mais uma derrota no tapetão baiano, prejudicando uma equipe módica e vencedora.
De início, a diretoria imaginou dar o troco, convidando o Fluminense de Feira, último campeão, para jogar em Itabuna e colocar as faixas no verdadeiro campeão, o que não foi aceito pela Assembleia Geral. Vencido o mandato, a diretoria liderada por Gabriel Nunes entrega o Itabuna Esporte Clube saneado, já vice-campeão, enquanto a nova diretoria teria o compromisso de jogar as partidas finais três meses depois.
O Itabuna vencedor foi desfeito e tomou duas goleadas. Na primeira, 3X0, no dia 13 de dezembro, e a segunda, por 6X0, em 16 de dezembro. Era assim o futebol baiano.
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