PIRES, AOS 81 ANOS, UM CRAQUE AINDA EM FORMA
O Goleiro Pires campeão pelo Bahia B de Itajuípe |
Por Walmir Rosário*
Craque do passado uma ova! Aos 81 anos ele continua jogando três babas por semana – às terças e quintas-feiras na AABB de Itabuna, aos domingos na AABB de Itajuípe – e aos sábados ainda treina no caiaque para fortalecer a musculatura. Essa façanha é fichinha para Antônio Pires, que ainda fuma, embora parou de beber, administra sua empresa de compra de cacau, não dispensa um bate-papo com amigos, inclusive sobre política, pois já exerceu o mandato de vereador e presidente da Câmara de Itajuípe.
Desde cedo Pires iniciou sua vida de peladeiro, no meio da rua Joana Angélica (hoje Montival Lucas), descalço e sobre o calçamento de pedras. Pela sua habilidade na lateral-esquerda foi convidado por Virgílio Gomes para integrar o Vasco da Gama de Itajuípe e aceitou sem pestanejar, já que era um vascaíno de primeira. Não deu outra, se destacou e passou a ser conhecido no meio futebolístico.
Não estranhe os senhores quando digo meio futebolístico, pois mesmo sendo Itajuípe uma cidade de pequeno porte, sobravam craques nos vários times da cidade, muitos deles “exportados” para as grandes equipes amadoras de Ilhéus, Itabuna e profissionais de Salvador. Somente o Bahia local mantinha dois times – o A e o B – em que eram páreos duríssimos entre eles durante os treinamentos, constantemente chamados de seleções.
Pires, aos 81 anos |
E foi justamente um dos diretores desse incrível Bahia, o barbeiro José Marques, que descobriu Pires no Vasco da Gama, ainda menino crescido, na linguagem de antigamente. Como somente jogava com a perna esquerda, foi aconselhado por José Marques a tentar outra posição. E a escolhida foi a de goleiro, na qual gostava de se divertir nos treinos, por sair nas bolas com bastante segurança.
Aprovado, passou imediatamente para a titularidade do segundo quadro do Bahia de Itajuípe, no qual foi campeão em 1957 e passou a ser o substituto imediato de Tirson, um dos maiores goleiros da Bahia nas décadas de 1950 e 60. Assim que Tirson viajava – e fazia isso com frequência – lá estava Pires em baixo dos três paus do magnífico time do Bahia, que não era acostumado a perder para outras equipes.
Uma certa feita, a seleção de Ilhéus convidou o Madureira, do Rio de Janeiro, à época qualificado como o “demolidor de campeões” para jogar uma partida no estádio Mário Pessoa, e por motivos extras, não poderia entrar em campo. Os cartolas ilheenses não perderam tempo e convidaram o Bahia para representar a Seleção. Um jogo brilhante para os que presenciaram e viram o Madureira vencer o Bahia de Itajuípe pelo magro placar de 1X0, apesar do show dado pelo goleiro Tirson.
Em 1959, ao saber que Pires tinha assinado com o Bahia de Itabuna, é convencido pelo conterrâneo Hemetério Moreira a cancelar o contrato e fechar com o Janízaros. Ele não pensou duas vezes e aportou com seu colega Nocha numa das melhores equipes de Itabuna. Nem chegou a sentir a mudança, pois outros cinco itajuipenses já jogavam no Janízaros, a exemplo de Marujo, Hidelbrando, Abel, Edson e Sinval. Pois bem, Pires passou mais de dois anos e meio sendo o goleiro titular e nunca foi substituído num jogo.
Quem gosta e acompanha o futebol sabe a importância do goleiro numa equipe, principalmente pela segurança que transmite à equipe. E Pires, apesar do físico um pouco franzino, não tinha medo de chutes fortes, apesar da antiga bola oficial pesada e traiçoeira nos jogos em dias de chuva. Ele já defendeu pênaltis cobrados por Danielzão, dentre outros jogadores considerados fura redes, sem a menor preocupação.
Em 1960, a Liga de Itajuípe se filia à Federação Bahiana de Futebol e no ano seguinte Pires retorna à sua cidade natal. No retorno assume a titularidade do Bahia e da Seleção de Itajuípe. E uma das primeiras partidas que disputou foi justamente contra a seleção de Ilhéus. Superiores em campo, marcam um gol e terminam o primeiro tempo à frente no placar. Só que no segundo tempo o técnico ilheense faz algumas mudanças inesperadas.
Entre os que entraram no tempo final estava Armandinho, ainda desconhecido e que estraçalhou na partida. Logo o placar vira para 3X1, todos os três marcados por Armandinho. No final da partida, o conceituado comentarista Yedo Nogueira, numa atitude inusitada, desce da cabine, pede o microfone ao repórter de campo e faz uma longa entrevista com Armandinho e o goleiro Pires. Na semana seguinte o craque Armandinho estreava no Palmeiras de São Paulo.
Ao término do Campeonato Baiano, equipes como o Galícia e Leônico faziam excursões pelo interior do estado, a exemplo do Sul da Bahia. Jogavam contra times e seleções de várias cidades, como Ilhéus, Itabuna, Itajuípe, dentre outras. E aqui descobriam os bons atletas e convidavam para se transferir para Salvador. Nesses amistosos, muitas vezes esses jogadores eram emprestados e participavam das partidas pelas equipes da capital.
E em seguida vinham as propostas de contratações, nem sempre vantajosas para os atletas que já trabalhavam. Certa feita, tanto o Galícia quanto o Leônico ofereceram a Pires um salário-mínimo e alojamento em Salvador, além de promessas futuras. Pires, que ganhava três vezes mais como contínuo no Banco Econômico e ainda morava com a mãe, declinou do convite e seguiu jogando pelo Bahia e Seleção de Itajuípe.
Na década de 1980 Pires deixa oficialmente o futebol amador, mas não abandona a bola e continua jogando os babas. Nessa época se transfere para Eunápolis – ainda conhecido como 64, o maior povoado do mundo – e sente falta dos campinhos de bairros. Não conta conversa, pede autorização ao prefeito de Porto Seguro. Aí foi só comprar um fusquinha, colocá-lo numa rifa e construir o Itamarzão.
O goleiro Antônio Pires ocupa lugar de destaque no hall dos grandes craques de Itajuípe, a exemplo de Zequinha Preto, Parrilha, Piaba, Francisquinho, Sinval, Gérson, Lourinho, Marujo, Caburé, Julinho, Hidelbrando e tantos outros. De logo, vou avisando: não tente marcar compromisso com Pires nos dias de reunião da Loja Maçônica Acácia do Sul, em que é membro há 55 anos; dos seus três babas semanais ou do treino no caiaque, muito menos nos jogos do Vasco da Gama.
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