Democracia a toda prova
Botequim que se preza deve oferecer aos clientes boas e variadas bebidas, cerveja gelada e tira-gostos de se comer “rezando”. Taí uma receita que não falha e depende apenas de acrescer uma boa dose de atendimento exemplar, que o sucesso está assegurado. Com todos esses ingredientes, bons clientes chegarão aos borbotões, e como o homem é um ser gregário, aí é só ir fazendo a seleção natural.
Eu mesmo conheço vários em diversas cidades, aos quais faço questão de frequentar sempre que retorno, pois vejo os amigos, fico a par das notícias passadas e ainda posso fazer previsões para o futuro. Em Ilhéus, até hoje “choro” o desaparecimento do Sancho Pança, reduto de vários “tribos”, que se reuniam em vários ambientes.
Mas como Secundino decidiu mudar de ramo, mudaram-se também os clientes para a não menos gostosa Barrakitika, que resiste bravamente até hoje, reunindo artistas e intelectuais das mais diversas expressões, boêmios de todos os naipes, executivos e até quem não gosta de nada disso e só quer beber em paz. Aos poucos, esses importantes redutos vão caindo, enquanto outros, como os botecos do Beco do Fuxico, em Itabuna, a exemplo do ABC da Noite, Whiskitório, e o Ithyel (hoje, Artigos para Beber, de Eduardo), vão ficando como os últimos bastiões da democracia.
Democracia, sim, porque não há outro local onde o contraditório, a discordância de idéias sejam tão respeitados como numa mesa de bar. E vai além, nesses locais, o debate vai muito além das quatro cadeiras (de uma mesa) e chega até às mesas vizinhas sem a menor cerimônia. Esporte, vida alheia e política são as mais preferidas, esta última capaz de exaltar os ânimos dos mais comedidos (a depender de quantas doses já tenham tomado), e tudo fica esclarecido.
Que maior exemplo de democracia poderia ser apresentado ao leitor do que a mesa de bar, onde os pares se reúnem sem pauta prévia nem obrigação de presença e dentro dos mais altos padrões de civilidade. No caso do bar, ainda levam muita vantagem em relação a muitas câmaras municipais, já que não complicam a vida dos munícipes nem gastam o dinheiro do contribuinte. Sem contar que debatem assuntos da comunidade.
Com isso não quero aqui execrar o trabalho dos ilustres edis, cada vez mais repudiados pelos nossos eleitores, principalmente por não costumar honrar, durante o mandato, os compromissos assumidos na campanha. Os altos subsídios (salários) percebidos para fazer pouco (ou, em alguns casos, nada) também são motivos de baixa reputação dos nossos eleitos junto à plebe ignara.
Nada mais nos resta do que, com todo o respeito, reivindicar junto aos nossos deputados federais, senadores e ao presidente da República, a convocação de uma Constituinte, para que possamos modificar o papel dos parlamentares municipais. Ao invés de eleições caríssimas, poderíamos eleger alguns bares da cidade e, através do debate democrático exercido pelos freqüentadores, apreciar (democraticamente) e aprovar as questões mais prementes da sociedade.
Nada mais nos resta do que, com todo o respeito, reivindicar junto aos nossos deputados federais, senadores e ao presidente da República, a convocação de uma Constituinte, para que possamos modificar o papel dos parlamentares municipais. Ao invés de eleições caríssimas, poderíamos eleger alguns bares da cidade e, através do debate democrático exercido pelos freqüentadores, apreciar (democraticamente) e aprovar as questões mais prementes da sociedade.
Uma idéia de vanguarda como essa poderia fazer com que os políticos passassem a agir de acordo com a vontade das bases, atuando em sistema de rodízio, de acordo com a proximidade da questão. Assim, o povo do São Caetano não estaria interferindo nas questões da Califórnia e vice-versa. Porém, a maior contribuição seria a conscientização sobre a necessidade do exercício da democracia, sem pressões, como exercem hoje nossos prefeitos.
*Advogado, jornalista e frequentador assíduo de botequins.
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