Por Walmir Rosário
O Estádio Luiz Viana Filho  foi o palco de grandes jogos com a presença da torcida ajudando o Itabuna com boas rendas
O Estádio Luiz Viana Filho foi o palco de grandes jogos com a presença da torcida ajudando o Itabuna com boas rendas
Não foi um simples acidente de percurso. Há pelo menos quatro anos que o Itabuna Esporte Clube vem terminando sua participação no Campeonato Baiano sempre na zona de rebaixamento. Em 1991 e 1992 escapou desse fantasma nas últimas rodadas, graças a um grupo de jogadores da Seleção de Itajuípe, treinada pelo técnico Sapatão. Praticamente abandonado pelos empresários e dependendo da boa vontade do poder público, o Itabuna Esporte Clube e acabou engolido pela própria crise financeira.
Ainda no começo deste ano, sem o técnico Sapatão (que se indispôs com parte da crônica esportiva), o presidente João Xavier resolveu importar o desconhecido técnico Dário Lourenço, obscuro treinador de times pequenos do Rio de Janeiro e Goiás. Junto com Dário vieram oito jogadores, medíocres, que nos dois primeiros turnos conseguiram apenas uma mísera vitória. No terceiro turno, o grupo “carioca” de Dário Lourenço foi mandado embora e o Itabuna apostou no carisma de Pinguela, um técnico que teve passagens vitoriosas por vários clubes baianos, inclusive o Itabuna.
Bastaram apenas três derrotas para que Pinguela pedisse demissão alegando problemas de saúde. O que na verdade não passou de uma desculpa para não continuar segurando a “alça de caixão”, diante da falta de perspectivas de contratações para elevar o nível do elenco. A avaliação de Pinguela era correta, já que o Itabuna teria que disputar 10 pontos e não poderia perder mais do que oito, sob pena de ficar numa situação irreversível. Com a saída de Pinguela, às véspera de um jogo contra o Vitória, agrava-se mais ainda a crise do clube.
Perdão
Valdemir e Tombinho, dois craques da geração amadora
Valdemir e Tombinho, dois craques da geração amadora
Para substituir Pinguela, a opção doméstica encontrada foi o supervisor do Itabuna, Zé Maria, o Nininho, sempre pronto para socorrer nas dificuldades. Do grupo deixado por Pinguela alguns foram afastados temporariamente do clube e outros em definitivo, sendo, no entanto, perdoados pela direção, devido à falta de condições dos remanescentes para enfrentar o Vitória. Mais uma derrota e o Itabuna entra no quarto turno praticamente rebaixado.
Para evitar a degola e continuar na primeira divisão do Campeonato Baiano, a Câmara Municipal aprovou uma ajuda financeira da ordem de Cr$ 700 milhões (setecentos milhões de cruzeiros) enviada pelo Executivo, para as divisões amadoras. O projeto inicial foi emendado o que permitiu ao presidente João Xavier utilizar os recursos no time profissional. A solução encontrada pela diretoria, na tentativa do salvamento, foi investir na importação de um técnico e novos jogadores, se transformando numa espécie de filial do Araxá de Minas Gerais, já fora do Campeonato Estadual Mineiro.
Ironia
O novo time “mineiro” do Itabuna, formado pelo técnico Moraes e mais oito jogadores, conseguiu um saldo de dois empates e duas derrotas. Em contraste com a queda do Itabuna, acontecia a ascensão do Camaçari, ironicamente treinado por Sapatão. A derrota de 2X1 para o Serrano, em Vitória da Conquista, selou o rebaixamento do Itabuna e também marcou o fim da “era” João Xavier.
O presidente João Xavier, que também é vice-prefeito, desistiu de concorrer à reeleição para o seu vice Sandoval Benevides, eleito ontem. Sandoval é responsável pela última glória do time: foi o segundo do campeonato de 92, quando o Itabuna venceu o Bahia, empatou com o Vitória e disputou o quadrangular. Agora, Sandoval tem a árdua missão de recolocar o Itabuna na primeira divisão. “É difícil, mas vamos conseguir. Não é à toa que o Itabuna é chamado de ‘o meu time de fé’”, sonha Sandoval.
Beneméritos abandonam o time
Sandoval Benevides assume a presidência
Sandoval Benevides assume a presidência do Itabuna
O rebaixamento do Itabuna para a segunda divisão se encaixa perfeitamente no contexto da decadência regional. Abandonado pelos antigos beneméritos (geralmente fazendeiros de cacau), o “meu time de fé” volta e meia se vê órfão. Esta situação vem se repetindo já há alguns anos e teve início com a péssima campanha realizada no ano de 1971, quando, pela primeira vez, escapou da degola, ganhando o último jogo para o Bahia de Feira de Santana.
O inusitado da campanha de 1971 foi a vice-lanterna do Itabuna profissional, enquanto, neste mesmo ano, o time de juniores foi consagrado campeão baiano. Um ano antes – 1970 – o Itabuna Esporte Clube chegou a disputar a final do Campeonato Baiano, perdendo a última para o Bahia, na Fonte Nova, numa goleada memorável, na qual até o roupeiro – José Rodrigues, de acima de 60 anos – permaneceu no banco de reservas uniformizado como atleta por falta de jogadores no elenco.
Essa situação até hoje é relembrada pelos torcedores mais apaixonados como uma “armação”, pois enquanto o Bahia foi disputar o torneio nacional, o Itabuna ficou parado por seis meses e, consequentemente, teve que dispensar vários jogadores. Em 1972, abandonado pelos beneméritos, pelos empresários e por parte da torcida, estaria condenado à extinção não fosse a coragem do colunista social Charles Henri em reconstruir o Itabuna, numa campanha memorável com realizações de passeatas pela avenida do Cinquentenário para arrecadar fundos.
Novas contratações foram feitas e o Itabuna voltou a ganhar a confiança da os torcedores, que enchiam o velho Campo da Desportiva nas tardes de domingo. Até hoje o time formado por Luiz Carlos; Reizinho, Aílton, Serjão e Wilson Valença; Luizinho e Nilo; Iaúca, Elson, Santa Cruz e Milano é lembrado pelos torcedores da época. A orfandade se repetiu em outras oportunidades, como a de ontem, quando apenas Sandoval Benevides tomou coragem para manter sua candidatura e tentar reconduzir o Itabuna aos memoráveis dias de glória do passado.
Páginas tristes da história
“Acho uma das páginas mais tristes da história do Itabuna e de Itabuna. Um time profissional que foi feito com muito sacrifício por alguns diretores e jogadores como os irmãos Carlos, Lua, Leto e Fernando Riela, além de Santinho, Itajaí e tantos outros, ser rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Baiano”. O desabafo é do ex-presidente do Itabuna, Sílvio Roberto Brito, responsável pela aquisição de todo o patrimônio do clube e sua participação nos campeonatos nacionais de 1979 e 1980.
Analisa, Sílvio Roberto, que o atual estágio do Itabuna é o reflexo do afastamento de pessoas que poderiam contribuir decisivamente para o engrandecimento do clube. Para ele, os homens de bem de Itabuna têm de voltar a assumir o Itabuna e outros valores como, por exemplo, os clubes de serviços. “A nossa preocupação é tão grande que vamos lançar em 28 de julho, o Dia da Cidade, uma campanha publicitária com outdoor, para chamar de volta essas pessoas e levantar o astral do Itabuna”, afirma.
Sílvio Roberto defende a formação de um grande time, a exemplo dos organizados por Francisco Rebouças, Gabriel Nunes – vice-campeão de 1970 –, e em sua época. “Nós trazíamos bons juvenis do Rio de Janeiro e não jogadores do Araxá”, alfineta Sílvio. Outro fator considerado por ele como de importância fundamental são as promoções e a manutenção da sede social, parra conseguir bons públicos e grandes espetáculos. “No nosso tempo, o Itabuna jogava de igual para igual com grandes equipes do Rio de Janeiro como Flamengo ou Vasco. Nessas partidas, o Estádio Luiz Viana Filho ficava completamente lotado, recebendo até 33 mil espectadores no primeiro jogo e 29 mil no segundo jogo contra o Flamengo de Zico, Rondinelli, Júnior e outros craques, isto no ano de 1979”, lembra.
Patrimônio
Como um clube de futebol não consegue viver somente das rendas das partidas de futebol, a administração de Sílvio Roberto perseguiu a formação de um patrimônio. A grande oportunidade foi o leilão da sede do Itabuna – apesar de o nome não ter qualquer ligação –, considerada a única oportunidade para a agremiação ter finalmente uma sede. Como o clube não dispunha de dinheiro, várias viagens foram feitas a Brasília, onde junto com o secretário-geral da Ceplac, José Haroldo Castro Vieira, José Amorim e Roberto Midlej conseguiram os recursos necessários para arrematar a atual sede.
Com sede social já fazendo parte do patrimônio do Itabuna Esporte Clube, a diretoria seguiu para outra conquista: a sede de futebol, dotada de concentração e campo para treinamentos. Uma área de 10 hectares foi doada pelo empresário Sinval Palmeiras, porém, como o mandato da diretoria estava encerrando, não foi lavrada a escritura. Já na administração seguinte, a diretoria, desinteressada do projeto, apenas pediu  a escritura da área para lotear o terreno, o que foi negado por Sinval Palmeiras, pois se desviava dos objetivos da doação.
Sandoval cheio de planos
Há 15 anos participando das diretorias do Itabuna Esporte Clube, onde já exerceu os cargos de diretor-social, vice-presidente do Departamento de Futebol Amador e presidente interino em 1992, Sandoval Benevides é o novo presidente de um clube rebaixado para a segunda divisão, cheio de problemas e dívidas, além de não contar com um elenco para o próximo campeonato. Apesar dos cofres vazios, Sandoval tem a cabeça repleta de planos para trazer de volta os associados, afastados do clube devido aos sucessivos anos de decadência.
Um dos projetos a ser posto em pratica é a completa reestruturação da sede social, que por muitos anos foi responsável pela manutenção do time profissional, realizando promoções semanais. “Em 1992, apesar do time modesto, feito com a base da Seleção de Itajuípe e o técnico Sapatão, o Itabuna trouxe grandes alegrias à sua torcida, ganhando de times como o Bahia”, relembra Sandoval, comparando-o com as equipes dos anos de 1980 e 1985, considerada por ele como a segunda melhor fase do Itabuna.
“A intenção é recuperar a sede social, realizando boas promoções, o que poderá ajudar na colocação da equipe no Campeonato de Acesso. Mas também vamos conversar com o presidente da Federação Bahiana para tentar modificar o atual sistema de jogos das equipes do interior, principalmente, quanto às despesas de deslocamento, que poderá ser resolvida com o patrocínio de algumas empresas”, planeja o presidente.
Inviabilidade
Garante Sandoval que a situação do Itabuna é a de qualquer clube do interior que tem que manter três categorias no campeonato, como a de juniores, juvenil e profissional. Para ele, as despesas são enormes e a estrutura pequena. “Somente para se ter uma ideia, numa renda de Cr$ 500 milhões (quinhentos milhões de cruzeiros) o time da casa fica com apenas cerca de Cr$ 150 milhões (cruzeiros) e o restante é para cobrir as despesas e para a Federação Bahiana. Então os clubes sempre vivem em dificuldades”, revela.
Analisa Sandoval que uma das vantagens do Itabuna é sua sede social dotada de uma infraestrutura razoável para um clube do interior. A sede tem quatro piscinas, campo de futebol soçaite, quadras poliesportivas, sauna, boate com pista de dança, salão de festas e uma grande área para expansão, onde já foram realizadas algumas provas de MotoCross. “Queremos organizar o clube a partir da sede, para em seguida cuidar do time. Temos inclusive no orçamento do Estado uma verba para a construção de um ginásio de esportes, colocada pelo secretário do Trabalho e Ação Social, Antônio Rodrigues dos Santos”, diz com otimismo Sandoval.
Falta de amor à camisa
“Amor às camisa e jogar com o coração”, assim definem os atletas do Itabuna Esporte Clube, que tantas glórias deram à torcida no passado, a diferença do Itabuna de ontem e de hoje. Para ex-jogadores como Bel, Tombinho, Danielzão, entre outros, existem muitas diferenças entre o Itabuna daquela época e o de hoje. Desde 1957, quando participou do torneio Antônio Balbino, em Salvador, até 1966, o Itabuna ganhou seis campeonatos intermunicipais, consagrando uma geração de craques.
Outra diferença apontada por Tombinho – hoje o cidadão José Marques – é que naquela época existiam craques em abundância. Também segundo ele, a imprensa é culpada em parte por valorizar um jogador antes de ele comprovar que é um verdadeiro craque. Entretanto, Tombinho realça a ajuda dos empresários e abnegados como Ametério Moreira, Gerson Souza, João Leahy, José Maria Gottschalk, que nunca abandonaram a seleção local. “Quem não se lembra da Seleção de Itabuna formada com Luiz Carlos; Ronaldo, Piaba, Abiesel e Leto; Valdemir e Tombinho; José Reis, Florisel, Santinho e Fernando Riela?”, pergunta Tombinho.
Para Abelardo Moreira, o Bel, que começou a jogar futebol profissional no primeiro time do Itabuna, em 1967, o grande problema do clube de hoje foi causado pela administração desastrosa de Paulo Fernando Nunes da Cruz, que em 1986 deu passe livre aos grandes valores descobertos pelo clube. Para Bel, que hoje dirige uma escolinha de futebol na AABB, valores que prometiam, como Beto, Solteiro, Cafu, Mermé e Gui foram dispensado sem qualquer explicação.
Especulação
Para Danielzão faltam craques com amor à camisa
Para Danielzão faltam craques com amor à camisa
O Itabuna, formado por uma seleção com tradição de vitórias, conseguiu por muito tempo movimentar toda uma cidade, levando a população desportiva a acompanhá-la em todo o estado, fazendo tremer qualquer Bahia ou Vitória no campinho da Desportiva. Hoje, já não consegue impor respeito aos mais modestos times das pequenas cidades. A culpa disto, segundo Bel, é a especulação imobiliária que acabou com os campinhos de bairro e falta de uma política adequada dos poderes públicos, além da falta de planejamento do Itabuna, voltado para as categorias de base.
Quem concorda com Bel é Daniel Souza Neto, o Danielzão, um goleiro que se transformou em centroavante e goleador. “Hoje, todo jogador é igual. Antes havia craques que desequilibravam uma partida, como Fernando Riela, Santinho e, mais recentemente, Gerson Sodré. Também existe a questão financeira, sem falar na desorganização dos dirigentes, que não prestigiam os jogadores da região, preferindo os contratados de fora. Um atleta do Rio de Janeiro não consegue captar a rivalidade de uma partida contra o Bahia ou Vitória, ou os jogos de vida ou morte entre Itabuna e Ilhéus. Aí esta a diferença”, define Danielzão.
Publicada no Correio da Bahia em 05-07-1993