Luis Nassif jornalggn@gmail.com
Meu
primeiro contato com Jânio de Freitas foi por volta de 1982, quando chefiava a
reportagem de economia do Jornal da Tarde. José Carlos de Assis produziu um
conjunto de matérias arrasadoras sobre a Capemi (Caixa de Peculios, Pensões e
Montepios Beneficentes) que atingia de morte a propalada honestidade militar.
Era uma entidade fundada e gerida por militares.
Durante dias
enviei pautas para a sucursal do Estadão no Rio de Janeiro, pedindo
desdobramentos do caso. As pautas nunca foram atendidas.
Aí, Jânio, que já trabalhava na sucursal da Folha no Rio, mas ainda não tinha
coluna no jornal, escreveu um artigo na página 2 criticando a cobertura. E
referia-se diretamente ao Estadão. Os Mesquita não gostariam de um furo assim?
E porque os jornais nada deram?
Lendo seu artigo,
imediatamente liguei para a sucursal da Folha no Rio e pedi mais dados para
ele, para poder pressionar a sucursal do Estadão a entrar no tema. Sua resposta
foi algo ríspida:
Não dou tiro para baixo!, querendo dizer que
não entregaria repórteres.
Respondi também
rispidamente:
Então dê tiros para cima.
E mencionei as
suspeitas sobre dois conhecidos jornalistas – um deles colunista da Folha -,
que moravam em Nova York e, pelos comentários da categoria, montaram uma
espécie de assessoria informal, entrevistando para seus veículos políticos ou
personalidades brasileiras que passavam pela cidade. Na época, passar por
Manhattan dava status ao brasileiro.
Batemos
boca e desligamos o telefone. Minha irmã Inês ficou algo passada, porque trabalhava
na sucursal do Rio e adorava Jânio que, se era implacável com os poderosos, era
um paizão, especialmente para os jovens jornalistas.
Ele já era uma lenda no jornalismo, como principal responsável pela revolução
editorial e gráfica do Jornal do Brasil que se tornou, por muitos anos, o mais
relevante diário brasileiro e mudou a face da imprensa escrita no país.
Aliás, a primeira
vez que ouvi falar dele foi em uma entrevista da TV Manchete, ele falando de
Antonio Carlos Magalhães de uma maneira que nenhum comentarista político
ousaria fazer. Chamou-o de “halterofilista da política”.
Voltei a me
encontrar com ele na sucursal do Rio, quando ocupava o cargo de
secretário de Redação do jornal. Achei que o encontro com Jânio poderia
reacender alguma mágoa devido ao nosso bate-boca anterior, mas sua reação foi
inesquecível. Veio em minha direção para comentar nossa conversa anterior.
Quando desliguei o telefone, falei para o
pessoal da redação anotar seu nome, porque você é um jornalista de
verdade,
Fiquei honrado e,
ao mesmo tempo, admirado da sua grandeza. Não poucas vezes, Jânio chamou a
atenção, em sua coluna, para novos jornalistas políticos que surgiam, mesmo em
jornais concorrentes.
Fiquei pouco tempo
na Secretaria do jornal e voltei a me dedicar integralmente à coluna Dinheiro
Vivo, duas páginas aos domingos.
Nosso contato seguinte foi um novo conflito. Apoiei a equipe que subiu para a
Fazenda com Dilson Funaro, em agosto de 1985. Tinha amigos e fontes lá, como
Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos Mendonça de Barros e outros.
Em 1987 decidi
viajar para a Argentina, com a esposa e um casal de cunhados. Na semana
anterior, Jânio soltou um artigo em que dizia que economistas ligados à equipe
estavam adquirindo dólares no mercado. Questionei em outro artigo.
No dia da viagem
passei pela casa de minha mãe, para me despedir, e ela estava passada com um
artigo de Jânio que saíra no domingo, ironizando jornalistas que só entendiam
de números e davam palpite em tudo.
Cheguei a Buenos
Aires e preparei a resposta. Era difícil. Primeiro, porque tinha que ser
transmitida oralmente, por telefone, para uma central de escuta. Depois, porque
muitos trechos da resposta eram cortados pelos Frias – e, com razão, para não
estimular uma briga intestina no jornal.
Chegando a Buenos
Aires, li sobre o Plano Austral, recém lançado e fui até Roberto Frankel, um de
seus autores, para entender a lógica. Ele me explicou o modelo da troca de
moedas, as tablitas para retirar dos preços a inflação inercial e outros
detalhes.
Escrevi sobre o tema e soube, depois, que provocou um frisson na equipe econômica,
que já trabalhava no futuro Plano Cruzado e temia que meus artigos fossem fruto
de vazamento local. Eu não tinha ideia de que os economistas já trabalhavam no
Plano Austral brasileiro. Por isso mesmo, provavelmente Jânio estava correto em
sua denúncia.
Cheguei de volta
ao Brasil no mesmo dia em que Jânio se consagrava nacionalmente com a denúncia
da manipulação da licitação da Ferrovia Norte-Sul. Aproveitou o artigo para me
espicaçar, dizendo que, como estava certo naquela denúncia, estava certo na anterior.
Respondi com outro artigo. A pinimba parou por aí.
Depois disso, fui
demitido da Folha, por denúncias que fiz de Saulo Ramos, Ministro da
Justiça de José Sarney. A demissão foi adiada por 3 meses, devido ao fato de
ter vencido o Prêmio Esso com a denúncia.
Retornei ao jornal
em 1991 e, algum tempo depois, fui convidado para o Conselho Editorial do
jornal que tinha, entre outros, figuras históricas do jornalismo brasileiro, já
aposentadas, mais colunistas de destaque do jornal, como Jânio de Freitas,
Clóvis Rossi entre outros jornalistas da casa.
Aí fui entendendo
melhor o caráter de Jânio.
Otávio Frias de Oliveira, o seu Frias, era uma figura interessantíssima.
Arguto, grande conhecedor de pessoas, com uma alergia enorme ao puxa-saquismo.
Mas, também, era
uma pessoa profundamente sensível aos grandes jornalistas derrubados pela vida.
Provavelmente por sua experiência prévia, de sócio de Roxo Loureiro em uma
construtora histórica – que construiu, por exemplo, o Copan -, depois, em um
banco, um império destroçado pela ambição política de Roxo Loureiro. Como
consta de sua biografia, Frias teve que fugir para a Argentina, para não ser
preso e, depois, reconstruir a vida.
Frias era
particularmente sensibilizado com Clóvis Rossi, que tinha sala também no 6a
andar e costumava tratá-lo como “o sábio do 6o andar”. Uma vez me falou de
Clóvis, de como chegou ao mais alto posto da mídia, diretor de redação do
Estadão e, depois, foi demitido com humilhação, impedido de entrar no jornal
para pegar suas coisas. E tudo por motivo político. Talvez por isso Frias
aceitasse ser tratado como “o sábio do 6o andar” por Rossi.
As reuniões do
Conselho se davam em almoços que se iniciavam com uma prestação de contas da
administração e, depois, com discussões sem pauta. Serviam para Frias receber
subsídios sobre como o jornal caminhava e também sugestões esporádicas.
Mas era um bom
local para análises de personalidade. E Jânio era impecável. Algumas vezes se
atritou com colegas que demonstravam uma admiração excessiva por Frias e pelo
jornal. Nos almoços era o mesmo Jânio das colunas. Seco, objetivo, sem firulas.
Chegava do Rio no dia da reunião, muitas vezes vinha mais cedo para o jornal,
para uma conversa particular com Frias.
Nas nossas conversas, descobri uma qualidade pouquíssimo comentada: na
juventude Jânio foi cantor e chegou a participar do conjunto Os Cariocas, o
maior conjunto vocal brasileiro dos anos 50.
Quando a Folha
iniciou sua grande guinada para a direita, e teve início o processo de limpeza
étnico-política do jornal, muitos grandes jornalistas aderiram de forma
vergonhosa. Jânio se manteve no jornal sem perder a dignidade. Aliás, desde que
tornou-se titular de coluna, sempre manteve posição crítica em relação aos
excessos do jornalismo e não poucas vezes se atritou com Otávio Frias Filho.
O velho Frias
aceitava jornalistas que, como Jânio, com sua independência enriqueciam o
produto jornal.
Há pouco tempo a
Folha dedicou uma página aos 90 anos de Jânio. Esta semana, demitiu-o, por
corte de custos.
O argumento é risível.
Há tempos, Jânio era crítico da linha editorial do jornal, da guinada para a
direita. Algumas vezes conversamos por telefone e ele falava de sua desilusão
com a linha editorial do jornal.
A reação nacional sobre a demissão talvez tenha sido o maior baque na imagem do
jornal, e uma pá de cal na esperança de que voltasse a ser o jornal plural das
Diretas e dos anos 90. A saída de Jânio, somada à de Gregório Duvivier e
Marilene Felinto mostra um jornal se preparando para ser, cada vez mais, um
porta-voz do mercado nos próximos anos.
Mais que isso, o
crescimento da equipe jornalística da UOL e o emagrecimento gradativo da Folha,
reforçam a suspeita de que é um jornal que caminha para ser extinto pelo grupo
comandado por Luiz Frias.
Veja mais sobre: folha , Jânio de Freitas
Priskas Eras
Pensamento do Dia
Charge do Dia
Publicação simultânea:
correioitajuipense.blogspot.com – academiaalcooldeitajuipe.blogspot.com e
correioitajuipensedenoticias.blogspot.com - Ponto final! *Redação o Bolso
do Alfaiate.
Nenhum comentário:
Postar um comentário