sexta-feira, 25 de novembro de 2011


Querida Margarida!

                                                                                                  Antonio Nunes de Souza*
Ainda não descansei da noite de ontem, mas, preocupada com você, estou escrevendo para saber se você chegou bem e se já tomou os cuidados necessários para voltar à normalidade.
Como você saiu daqui completamente fora de si e desbundada com o carnaval, achei por bem relatar os fatos no sentido de você saber com mais precisão, como foi o seu carnaval baiano nos dias que conseguimos nos ver.
Tentei ligar para o seu celular, mas depois me lembrei que logo na quinta-feira no Campo Grande, quando passou o primeiro trio você partiu atrás feito uma louca e, quando voltou, já estava sem ele e nem sabia como foi. Sua boca com o batom todo borrado e disse sorridente que recebeu uma cacetada de beijos. Eu falei para você ter cuidados, porém, do jeito que você estava tão eletrizada, parecia que era uma homenagem de S. Paulo aos 60 anos dos trios.
Paramos para tomar umas cervejinhas para refrescar o calor retado que fazia, e você nem me disse que não agüenta beber, pois, quando levantamos na barraca, você saiu em disparada para um outro trio que estava despontando, que não deu nem tempo de lhe acompanhar. Fiquei lhe esperando no mesmo lugar, bastante aflita, já que você não conhece bem Salvador e estava vindo pela primeira vez ao carnaval. Depois de duas horas, graças a Deus você apareceu e estava abraçada com dois caras, faltando uns botões na blusa, o fecho da bermuda aberto e notava-se, claramente, que já estava sem calcinha. Assustada, falei:
- Onde você estava Margô? E você, aos gritos respondeu:
-No maior carnaval do mundo, minha querida!
Notei logo que você já estava pra lá de Bagdá e seria melhor voltarmos para casa. Dei um jeito de mandar, gentilmente, os caras embora (que não largavam sua cintura) e, meio constrangidos, deram mais alguns beijos e se picaram para o meio da multidão.
No caminho de casa, depois de você repetir mais de mil vezes que o carnaval baiano é uma coisa maravilhosa, caiu no sono e só acordou na hora que chegamos e eu lhe chamei. Fui tomar um banho e, quando voltei, você estava roncando no maior sono, preferi deixar você relaxar de roupa e tudo. Curiosa, dei uma olhadinha pelo zíper e constatei que a calcinha tinha ido para o brejo e tinham comido minha amiga na primeira noite.
Pela manhã você pediu que fossemos a praia para pegar uma “corzinha”, pois estava muito branquela. Mas, calada vi duas manchas roxas no pescoço que se percebia visivelmente que eram de “chupões”, recebidos na noite anterior, na sua pré-estréia carnavalesca. Logicamente, você evitou falar do assunto.
Aproveitei para reforçar os meus conselhos de cuidados, porém você não estava nem aí. Disse apenas que eu ficasse tranqüila que estava numa boa, bastante alegre e feliz, querendo curtir tudo que o carnaval podia oferecer.
No fim da tarde fomos ver a saída dos Filhos de Gandi e, quando você viu aquele mar de turbantes brancos, enlouqueceu completamente e entrou no meio dançando meio sem jeito o ritmo do afroxé e sumiu na multidão. Eu fiquei quieta, pois não sou muito chegada a entrar no bolo.
Margô, minha filha, eu fiquei de boca aberta quando você voltou trazendo enfiados no pescoço e nos braços, trezentos e cinqüenta e quatro colares , uma vez que os Filhos de Gandi trocam um colar por um beijo. Você estava com a boca inchada, não tinha mais batom e os lábios pareciam de um peixe badejo de tão grossos que estavam. Mas, seus olhos brilhavam mais que um punhado de lantejoulas. Sinceramente, disse para mim mesma: Estou fodida ter que cuidar dessa amiga! Até terça-feira muita merda vai acontecer!!!
Paramos para fazer um lanche e seguimos caminhando pela avenida em direção ao farol da barra para ver de perto o circuito barra/ondina. Andando lentamente para não chegarmos cansadas e também ir apreciando a cidade, principalmente o Campo Grande que é o point do carnaval. Chegamos lá as 19:30 h. e nos deparamos com uma aglomeração indescritível, que mal dava para se caminhar espremidos no meio do povo. Uma puta esfregação com cheio de mijo, suor, bebidas e cigarro. Fora a leve lama no chão em função das eventuais chuvas e o lixo atirado pelos mal educados foliões. Mas, para você Margô, era tudo uma maravilha as novas sensações de liberdade e libertinagem.
Por conhecidencia, naquela hora ia saindo o trio do bloco Parangolé com o cantor Léo Santana mandando ver a sensação do carnaval: Rebolation. Aí mulher, você acabou de perder o juízo! Pegou na barraca ao nosso lado um “capeta duplo” e entrou no meio da pipoca atrás do bloco e, em fração de segundos, havia sumido completamente. E não é que a merda da música nos excita muito? Olhava de longe e via milhares de bundas requebrando e os homens fazendo “terra” atrás, percebendo-se os volumes nas suas bermudas e shorts, completando a sacanagem que todos ali desejavam.
Desta feita esperei por horas e você Margô não voltava nunca. Quando já estava desiludida sem saber o que fazer, meu celular tocou e, quando atendi, era você de um orelhão dizendo que estava em ondina, deu umas referencias do lugar e me pediu que fosse ao seu encontro. E assim fiz, pegando um táxi para mais ligeiro chegar.
Quando consegui localizar você, tomei um puta susto! Estava sentada no colo de um negão de uns dois metros, cabelo rastafari, sem camisa, ombros da largura de um guarda roupa de casal e os braços pareciam dois pedaços de trilhos de grossos e fortes que eram. Imaginei logo: Se esse negão comeu Margô ela vai ficar seis meses sem poder mijar direito! E se botou no furico da coitada, vai ter que sentar de lado por um bom tempo!
Notei logo que você estava completamente bêbeda e tratei de lhe retirar de onde estavas e, explicando para o cara, peguei-a abraçando pelo meio, seguindo a procura de um táxi para ir para casa. E lá chegando, lhe dei um banho frio e a coloquei na cama, já que você apenas balbuciava: Que carnaval maravilhoso!
Fui dormir preocupada pra caralho, pensando uma maneira de fazer você voltar o mais breve possível para Sampa, pois, infelizmente, não teria condições de acompanhar suas loucas aventuras.
No sábado quando você acordou estava toda quebrada, andando com a bunda meio torta para o lado esquerdo e disse que foi de tanto mexer no rebolation. Mas, eu acho que foram as estocadas do negão!
Então, para ver se lhe acalmaria um pouco, falei que estava com um mal estar e não sairia, preferindo descansar para o domingo.
-Nada disso minha amiga! Você fica descansando que eu me viro sozinha. Pode ficar tranqüila que não haverá problema. E assim foi! Pois, de propósito, fiquei em casa enquanto você se arrumou e partiu para o circuito barra/ondina que, segundo você, era o verdadeiro paraíso. Eu resolvi ficar na minha, já que você não era uma criança (30 anos e psicóloga) e dona das suas atitudes. Falei que colocasse no bolso o meu endereço e telefone para em caso de alguma necessidade, seria fácil voltar para casa ou avisar sem problemas.
Almoçamos, dormimos mais durante à tarde para aliviar o seu cansaço e o meu desespero de preocupações. Ao anoitecer, tomamos um bom banho e você nem quis comer nada. Arrumou-se toda e disse que ia para o farol e depois seguir o circuito completo. Que brincaria numa boa e no fim da noite tomaria um táxi, voltando sem problemas.
-Ok! Se divirta e tenha cuidado. Qualquer coisa me ligue que não sairei de casa hoje! Tchau!!!
Margô minha filha, você me deixou doida! Hoje é quarta-feira e você não apareceu aqui e nem deu a mínima notícia. Já fui a diversos hospitais, a polícia e não obtive nenhuma pista do seu sumiço. Não tenho a mínima idéia do que possa ter acontecido, então resolvi fazer esse e-mail para você, esperando que já estejas em S. Paulo e possa me dizer algo para me tranqüilizar.
Nesse momento que estou escrevendo, toca meu telefone e sabe quem era? A filha da puta da Margô, dizendo que estava em Arembepe e que tinha ido com uns caras legais que eram maravilhosos na dança do lobo: Vou te comer, vou te comer, vou te comer (uma delícia) e voltaria para Salvador amanhã (quinta-feira).
Essa notícia me deu um alivio retado, não vou nem mais mandar esse e-mail para ela e, juro por Deus, que jamais hospedarei filha da puta nenhuma em meu apartamento durante o carnaval! Essa sacana fodeu com toda Bahia e com o meu carnaval!
*Escritor (Blog Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)

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