Alhos &
Bugalhos
Publica hoje em homenagem aos 59 anos de emancipação
política-administrativa de Itajuípe, uma Crônica do Contista Hélio Pólvora.
Itajuípe –
1952 – 2011 = 59 anos
Era nos tempos do Sequeiro do Espinho, em Pirangy, terras
ótimas para o cacau. Cortado pela estrada das tropas, o arruado preguiçava.
Animação mesmo só nas sextas e sábados com a feira. Os tabaréus iam fazer o
saco na venda de Firmino, e voltavam na boca da noite, com o bocapio cheio ou
sacos em cima de burros, nos caçuás.
A pasmaceira de fim de mjndo veio a ser quebrada com a guerra
entre a gente de Basílio e os Badaró, pela pose das matas. Guerra de verdade,
de matar gente, com jagunços armados de repetição-rifle de vários tiros de
balas metálicas, também conhecidos como Papo Amarelo.
Todo mundo conhece a saga do sequeiro Grande, que Silva Campos
registra na sua crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus, e Jorge Amado pôs
no seu romance Terras do Sem Fim, mudando apenas os nomes de alguns personagens
e o nome do lugarejo, que ele chamou de Sequeiro Grande. Não sei das duas
versões qual a melhor. Fico com a de Jorge que sabe narrar.
Mas nenhum dos dois registra a influência de Firmino, pai de
Gileno da Sorveteria Ponto Chic em Ilhéus. Tinha uma venda sortida, com as
mantas de jabá e carne de sol, garrafas de aguardente, maços de cigarros
Olinda, Yolanda e Trocadero, artigos de limpeza e perfumaria, facões Corneta e
Banda Lisa, foices, estrovengas, artigos de couro, o fumo de rolo a um canto do
balcão. A venda prosperava, vez por outra, Firmino matava boi. No balcão,
matutos emborcavam copos de cachaça, cuspiam e, em seguida, metiam um naco de
fumo na boca, para tirar o gosto. O fumo era rolado de um lado para o outro e
dele escorria uma baba gosmenta, parecida com melado.
Negociante forte, o Firmino. A venda de secos e molhados
prosperou muito tempo, apesar das agruras da guerra Basílio Vs. Badaró. E isso
porque, nos assaltos dos jagunços das duas facções, a venda sempre foi
respeitada.
A casa comercial de Firmino era uma ilha de paz nos meios dos
tiroteios
Uma Suiça intacta, neutra, tranqüila, em meio a uma Europa
devastada pelos tiros, bombas e lutas de trincheiras.
Por que?, haverá de perguntar-me o inocente leitor.
Ora, porque Firmino tinha ouvido desde menino um conselho da
mãe.
- Meu filho, nunca se decida.
- O que me diz mãe?
- Nem oito nem oitenta, filho. Nem tanto ao céu nem tanto à
terra. Nem o bem nem o mal. Nem o direito nem o avesso.
- Mãe é difícil não ter de escolher.
- Neutralidade, Firmino, neutralidade absoluta. Nem carne nem
peixe.
- Sim senhora.
“Nem, carne nem peixe”. O quê, então? Firmino coçava a acebça,
atônito, mas ao longo da vida tratou de manter-se no meio, rigorosamente à
mineira, em cima do muro. Tarefa quase sobre-humana. Os jagunços de Basílio
invadiam Sequeiro do Espinho, espalhavam terror, matavam e esfolavam – mas na
hora da pilhagem, havia sempre um chefe de atitudes serenas que recomendava: -
Ali, não. Respeitavam a venda de seu Firmino.
O Bando de Badaró entreva no dia seguinte para revide e
espalhava o terror e a morte nas hostes dos simpatizantes do inimigo. Seguia-se
o saque, uma advertência poupava Firmino: - Respeitem a venda. É gente nossa.
A venda parecia um templo, um sacrário, no meio do povoado de
pernas para o ar. E, assim, graças à sua capacidade de manter-se neutro naquela
guerra de Fla x Flu, pelas ricas terras de Sequeiro do Espinho, em Pirangy,
Firmino sobreviveu para transmitir à prole o sábio conselho da mãe: Nem carne
nem peixe.
Era uma época em que ainda se podiam fazer opção “Nem carne
nem peixe.
Era uma época em que ainda se podiam fazer opções. Hoje
estamos espremidos no mesmo barco, que vai à deriva por um mar de calamidades.
Sem saber para que lado remar, ou se vale a pena desembarcar nas margens cheias
de bandidos.
(Texto de autoria do escrito Hélio Pólvora – Transcrito do
Jornal A Tarde)
Por hoje é só. Vou bater o
martelo.
Ponto Final...
(Redação – O Bolso do Alfaiate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário