alhos & bugalhos - De Domingo
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COMO COMEÇOU A RIVALIDADE ILHÉUS X ITABUNA

O trem foi levado de volta para Itabuna por um maquinista que integrava a comitiva
Para que o leitor tenha uma ideia geral do que reinava lá contra os daqui citarei o que se passou na ocasião da inauguração em 1905, do Paço Municipal de Ilhéus. Fora escolhido o Dr. Xavier, genro de Firmino Alves, como orador oficial das festividades. No prolongado discurso, ao terminá-lo, ele disse as seguintes palavras: “Povo de Ilhéus, acaba de ser inaugurada a Intendência de Ilhéus, a mais moderna e confortável do Sul do Estado, mas, se Deus me permitir vida e saúde, eu e o Coronel Firmino Alves construiremos uma igual ou melhor em nossa futura cidade de Itabuna”. Estas palavras deram motivo para que o orador fosse apedrejado ali mesmo e para dali sair para a casa do Coronel Pessoa, onde estava hospedado, sendo preciso a intervenção do capitão Ângelo, delegado de polícia.
Outro fato também digno de nota aconteceu no ano de 1920: O Rio Branco Esporte Clube, de Itabuna, fora jogar contra o Ypiranga Esporte Clube, de Ilhéus. Para isso foi fretado um trem especial com 20 classes para atender ao povo que desejava assistir àquela partida. No dia aprazado, seguimos para Ilhéus, acompanhados da Filarmônica Minerva. O jogo começou às 15h30min e o nosso time fez o gol primeiro e último daquela partida. O jogador João Rego, autor do tento, foi agredido pelo filho do Dr. Soares Lopes. Quebraram o nariz do João Rego dando início a uma luta que dutou até às 18 horas. Para cessar o grande tumulto, fora preciso o cel. Francisco Andrade e demais classes representativas de Ilhéus, que portando as bandeiras do Rio Branco e do Ypiranga pediram paz. Até água quente fora jogada nos itabunenses.
O Hotel Coelho onde se hospedaram os jogadores e a nossa comitiva fechou as portas, ficando as roupas dos jogadores ali presas. A estrada de ferro deixou de fornecer o trem para a nossa volta, e na passagem pelas ruas eram jogadas laranjas podres, cebolas, ovos guardados para este fim. Os policiais desapareceram para que o povo pudesse levar a cabo o que fosse de sua vontade. Resolvemos, então, falar com o Dr. Machado, chefe e gerente da estrada de ferro, para lhe pedir o trem que, além de haver sido fretado, já havia sido pago, mas o mesmo nos respondeu que não poderia, apesar de achar um direito nosso. Disse não poder ficar contra os interesses do povo de Ilhéus que, a essa hora, estava unido para desforrar a derrota sofrida no campo, massacrando todo e qualquer itabunense que encontrasse e também quem o ajudasse. Por esse motivo não poderia deixar o trem partir. Ao ouvir isto, Antonio Velásquez, gerente da luz e força de Itabuna, atracou-se em luta corporal com o Dr. Machado e lhe disse: “Já que é de sua vontade sermos massacrados, você será primeiro, ou dá o trem para a nossa volta, ou lhe mato aqui agora mesmo”. Conseguiu-se apaziguar os ânimos, afastando Velásquez e Alcântara, que esbofeteavam o Dr. Machado. Este vendo o firme propósito ambos matá-lo, caso o trem não fosse despachado, e eu sozinho para conter os dois, considerando a sua vida em perigo resolveu despachar o trem para a nossa volta, indo à estação de pijama e chinelos xagrim. Lá chegando ordenou a Teodoro, chefe da estação, para dar o trem. O Coronel Adelino Gomes, delegado de polícia de Ilhéus, tendo notícia que o Dr. Machado tinha sido agredido e levado para a estação da estrada de ferro pra dar o trem de volta, embalou sua força policial e rumou para a estação. Lá chegando, ouviu Velásquez e olhando para quase mil pessoas enfurecidas, resolveu desprezar a queixa recebida. Partiu o trem com 20 classes puxados pela locomotiva nº 12 e empurrada pela de nº 1 para a subida da Serra da Baleia. E qual não fora a nossa surpresa que, ao chegar no Rosário, o trem parou e o povo então perguntava: “O trem parou?”. Quando constatamos que os maquinistas haviam abandonado as locomotivas. Surgiu, então o desespero, mas um passageiro se apresentou à comissão dizendo ser maquinista da estrada de ferro São Francisco, hoje Leste Brasileiro. Ele chamava-se Belmiro e estava em Itabuna a passeio e viera a Ilhéus assistir ao jogo. Se a comissão desse cobertura puxaria o trem até Itabuna. Tudo certo, Belmiro desengatou a máquina nº 12 que puxava. Na Serra da Baleia, Belmiro, partiu ao meio aquela composição, subiu a serra e foi até a estação do Lava-pés. De lá, voltou, pegou aos restantes e, chegando em Lava-pés engatou-as, tendo todos chegados a Itabuna são e salvos, por aquele maquinista da estrada de Ferro São Francisco às 4 horas da manhã.
Em Itabuna, procuramos gratificar Belmiro, porém ele não aceitou. Ás 8 horas do dia chegaram em Itabuna o Dr. Machado, Dr. Mário, Jaime Ribeiro e Bento Berilo de Oliveira que vieram saber quem era Belmiro, com que autorização tinha trazido a Itabuna aquele trem. Velásquez escutou àquela comissão e lhe respondeu: “Belmiro é maquinista de primeira classe da Estrada de Ferro São Francisco e a ele devemos toda a gratidão e, se tem algum crime pelo ato que praticou, eu respondia em seu lugar”. Dr. Machado, que já havia sido esbofeteado por Velásquez, teve receio de novas conseqüências. Então ficou o dito pelo não dito, apenas restando a intriga de Ilhéus como Itabuna.
Costa, José Pereira da
Terra, Suor e Sangue; lembrança do passado / História da Região Cacaueira / José Pereira da Costa – Salvador: EGBA, 1995.
Gomes – Bahia
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