sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A Arte de ...

A graça triste


Só me resta agora 
Esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro. 
Ouço agora o rumor 
Das raízes da noite, 
Também o das formigas 
Imensas, numerosas, 
Que estão, todas, corroendo 
As rosas e as espigas. 


Sou um ramo seco 
Onde duas palavras 
Gorjeiam. Mais nada. 
E sei que já não ouves 
Estas vãs palavras. 
Um universo espesso 
Dói em mim com raízes 
De tristeza e alegria. 
Mas só lhe vejo a face 
Da noite e a do dia. 


Não te dei o desgosto 
De ter partido antes. 
Não te gelei o lábio 
Com o frio do meu rosto. 
O destino foi sábio: 
Entre a dor de quem parte 
E a maior — de quem fica — 
Deu-me a que, por mais longa, 
Eu não quisera dar-te. 


Que me importa saber 
Se por trás das estrelas 
haverá outros mundos 
Ou se cada uma delas 
É uma luz ou um charco? 
O universo, em arco, 
Cintila, alto e complexo. 
E em meio disso tudo 
E de todos os sóis, 
Diurnos, ou noturnos, 
Só uma coisa existe. 


É esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro. 


É uma lápide negra 
Sobre a qual, dia e noite, 
Brilha uma chama verde.

 
Cassiano Ricardo

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